A cultura dirige-se à inteligência... mas esta não a escuta necessariamente. No entanto, prescindir do pensamento reflexivo é um luxo que geralmente se paga caro, pois é de fato um erro que transforma o indivíduo em um autômato. Visto por esse ângulo, ainda vale o cogito cartesiano “penso, logo existo” tão criticado na modernidade. Com efeito, sem esquecer que do ponto de vista psicanalítico só posso estar onde meu “eu” não pensa (em um sintoma, um sonho, um ato perdido…), de outro ponto de vista, mais psicanamista, onde não acho que sou pensado. Inevitável. Sou pensado por esse “grande outro Grande” que é o sistema com suas mídias cada vez mais invasivas que me mergulham em um banho de água constante de “informação” semelhante à hipnose coletiva.
A ilusão de uma alternativa de que o discurso político é o paradigma mostra-o perfeitamente: Direita ou Esquerda, pró ou contra, sim ou não... Uma escolha genuinamente pessoal permanece árdua. No entanto, é esse mesmo discurso que atrai audiências e que tem precedência em qualquer fórum político-midiático. Em suma, quem acredita ser livre, dispensando a reflexão ou apenas interessado nas questões (aparentemente) mais concretas, esquece que o materialismo também é uma ideologia e certamente se reduz a ser uma espécie de neurônio do sistema. Basta um piscar de olhos para passar de pensador a pensamento.
Incultura e arrogância, olá danos
Mas qual é a conexão entre reflexão e falta de educação? Se entendermos este último como sinônimo de ignorância, não há problema porque somos todos mais ou menos (enormemente) ignorantes. Saber que somos ignorantes, segundo os preceitos da douta ignorância de Nicolas de Cues, é dar-nos a possibilidade de aprender, de nos cultivar, de avançar. Esta é, paradoxalmente, a base de toda a sabedoria. O que estraga as coisas é essa mistura altamente instável e perigosa de ignorância e arrogância, sendo a estupidez o deslizamento da ignorância para a presunção de conhecimento. A abertura de espírito é sempre o que salva de um beco sem saída e a medida de precaução que impede que esta bomba de estupidez que muitas vezes é o ser humano cause danos. Aqui está uma pequena ilustração. Imaginemos o caso de um faz-tudo iniciante que não sabe usar um martelo e que há anos prega pregos com um alicate. Agora imagine que um amigo lhe conte sobre a existência do martelo. Esta é, obviamente, uma situação simplificada, mas, na realidade, é bastante comum.
Há uma grande probabilidade de que nosso faz-tudo, vítima de um certo misoneísmo, resista a trocar de ferramenta, pois mesmo que às vezes bata os dedos e entorte as unhas, considera seu conhecimento satisfatório. Seu lema poderia ser:
“Eu sei, logo existo”!
Transpostos para o nível intelectual, alicates e martelos referem-se metaforicamente a instrumentos de pensamento, a paradigmas, e quanto mais sabemos sobre esses instrumentos, mais relevantes e até convincentes podem ser nossas interpretações do homem e do mundo.
Por exemplo, os conceitos psicanalíticos de inconsciente, arquétipo, sublimação e impulso são, sem dúvida, uma grave perda para qualquer intelectual, psicanalista ou não.
Em outras palavras, o pensamento reflexivo e todos os tipos possíveis de inteligência (o psicólogo americano H. Gardner conta até sete) são funções psíquicas complexas, específicas de todos, mas desprovidas de cultura não são necessariamente realizadas.
Pelo contrário, enriquecidos por toda uma gama de ideias, noções, conceitos, teorias, etc., são capazes de expressar da melhor forma a personalidade de cada indivíduo e facilitar a sua realização. Se existe um pensamento verdadeiramente autêntico, pessoal a cada pessoa, “diferenciado” para usar um termo junguiano, é em grande parte graças às possibilidades representadas pela riqueza de chaves de leitura pertencentes ao nosso patrimônio cultural. Os religiosos fanáticos, por exemplo, acreditam na possibilidade de uma leitura única, literal, não hermenêutica dos textos sagrados, o que em nada favorece o desenvolvimento de sua inteligência. Ao contrário, aqueles que praticam a arte da interpretação, como os cabalistas, veem suas capacidades intelectuais aumentarem.
Ao mesmo tempo em que contribui para a inteligência, a cultura não impede a estupidez
É claro que os fãs da meditação podem objetar que o homem geralmente é muito mental e que o pensamento muitas vezes complica a existência mais do que a facilita. Verdadeiro. O pensamento tem um lado obsessivo que é sempre bom reduzir. O psicanalista, por sua vez, pôde ver no que se denomina “cultura” o produto de um “eu” constantemente alienado em seus discursos. Também verdade. Os intelectuais se contam tantas histórias quanto as crianças, mesmo que seu discurso seja mais erudito e pareça mais sério.
Mas o problema não é a oposição entre pensar e não pensar ou entre pensar e agir. É a riqueza, ou seja, a qualidade do pensamento que importa. Mesmo o mais extrovertido, para não dizer superficial, uma pessoa pode encontrar na cultura o material e as ferramentas necessárias para aguçar seu pensamento e formar um pensamento diferenciado, que não seja uma simples repetição do que ouviu ou aprendeu coração. Sem necessariamente aderir a qualquer sistema ou teoria.
Os grandes filósofos, especialmente os franceses antes da Revolução, eram basicamente livres-pensadores e não teóricos. Então voltamos ao tema desse(s) Rebelde(s), pois é justamente o grau de cultura (ou a falta dela) que, em muitas situações, pode realmente fazer a diferença.
Poderíamos dizer que a estupidez é inversamente proporcional ao grau de cultura? Absolutamente não. As pessoas são inteligentes independentemente do seu nível de cultura, só que são limitadas por ela. Mostram, como dizemos, uma inteligência de vida, um saber relacional e social, uma curiosidade saudável. O que talvez seja o principal. E não esqueçamos que toda a cultura do mundo, sem uma boa educação, não impede o “pequeno tirano todo-poderoso” de colocar sua linda cabeça para fora uma e outra vez.