Dentro do labirinto dos tribunais de família, um paradoxo assustador persiste: mães, que deveriam ser elogiadas por sua coragem em denunciar o abuso sofrido por seus filhos, frequentemente se encontram expostas à violência institucional paroxística. Essas mulheres, frequentemente chamadas de “mães protetoras”, veem seu papel como pais protetores distorcido, e seus direitos restringidos por instituições destinadas a garantir justiça e segurança. Mas como os processos projetados para proteger às vezes reproduzem os próprios mecanismos de abuso que eles deveriam combater — ou até mesmo gerar novos?
Uma realidade intolerável e sistêmica
Na França, de acordo com a Comissão Independente sobre Incesto e Violência Sexual Contra Crianças (CIIVISE), quase 160,000 crianças são vítimas de violência sexual todos os anos. Entre elas, uma maioria impressionante (81%) sofre abuso dentro de sua família imediata. Essa realidade já assustadora se torna ainda mais preocupante quando iluminada pelos depoimentos de mães protetoras. Em suas tentativas de denunciar esses crimes e garantir a segurança de seus filhos, essas mulheres encontram um sistema judicial onde 76% das queixas são rejeitadas sem mais ações.
Um exemplo emblemático é o caso de Priscilla Majani, que foi condenada por “sequestro de criança” após tentar proteger sua filha de um pai acusado de abuso sexual. Sua história destaca o trágico impasse enfrentado por mães protetoras: ou cumprem as decisões judiciais que consideram inseguras para seus filhos ou entram em conflito direto com a lei.
Uma crise europeia: um fenômeno generalizado, sistêmico e institucionalizado
Espanha espelha mecanismos semelhantes aos observados em França, onde as mães que denunciam abusos intrafamiliares enfrentam violência institucional. Um relatório recente do Conselho de Europa destaca a tortura psicológica sofrida por essas mães durante as decisões de custódia. O conceito de “violência institucional”, amplamente discutido na França, assume forma tangível aqui. Na Espanha, a aplicação sistemática da “Síndrome de Alienação Parental” (SAP) em tribunais de família continua a desacreditar alegações de violência, muitas vezes às custas da segurança das crianças. Apesar de ser explicitamente rejeitado pelas Nações Unidas, esse conceito pseudocientífico ainda é usado para justificar separações forçadas de mães e seus filhos.
Na Inglaterra, uma dinâmica semelhante surge. Uma investigação da Women's Aid de 2021 revelou que o princípio de “contato a todo custo” domina as decisões judiciais, mesmo quando há evidências de violência doméstica. Essa prioridade dada à manutenção de relacionamentos com ambos os pais, independentemente do risco para as crianças, reflete uma falha em abordar o trauma em processos judiciais. Muitas famílias são, portanto, expostas a situações perigosas, perpetuando ciclos de controle e violência.
Na Bélgica, o uso de conceitos de alienação parental em tribunais também foi criticado por falta de embasamento científico. Um estudo recente da Ligue des Familles destaca o dano causado quando esse conceito é aplicado indiscriminadamente em disputas familiares. Muitas vezes, ele desvia a atenção do abuso real e coloca mães protetoras em uma posição precária, acusando-as de influenciar seus filhos a prejudicar o pai.
O Parlamento Europeu expressou recentemente preocupações semelhantes sobre o impacto da violência doméstica nas decisões de custódia de crianças. Ele enfatizou a importância de priorizar a segurança de mulheres e crianças, evitando o uso de conceitos cientificamente não validados, como alienação parental, para minimizar ou obscurecer casos de violência doméstica.
O uso da Síndrome de Alienação Parental (SAP), embora cientificamente desacreditado por inúmeras instituições internacionais, continua sendo uma ferramenta frequente em tribunais de família para minar mães protetoras. Desenvolvida por Richard Gardner na década de 1980 sem validação empírica, a SAP se baseia em suposições que obscurecem a dinâmica de poder e violência em separações conflituosas. Ela é frequentemente invocada para caracterizar os comportamentos protetores das mães como tentativas de manipular seus filhos contra o pai.
Da mesma forma, o conceito de conflito de lealdade, conforme definido por De Becker, é usado para patologizar o relacionamento entre uma criança e seu pai protetor, particularmente em casos de violência intrafamiliar. Essa noção, enraizada em teorias sistêmicas da década de 1970, carece de validação empírica rigorosa. Ela tende a reduzir a criança a uma vítima passiva, ignorando sua agência e estratégias adaptativas em ambientes hostis. Essa teoria muda o foco das origens do comportamento da mãe — a violência sofrida — para interpretações que a responsabilizam pela disfunção familiar. Consequentemente, ela estigmatiza as vítimas como instigadoras de problemas relacionais, justificando decisões judiciais que frequentemente levam a separações injustificadas entre pais abusados e seus filhos. O bem-estar psicológico tanto da criança quanto do pai protetor, já enfraquecido pela violência, é frequentemente desconsiderado.
Apesar de seus impactos negativos e da falta de embasamento científico, essa teoria foi incorporada ao quadro de referência nacional publicado pela Autoridade Nacional Francesa para a Saúde (HAS), legitimando seu uso em contextos institucionais e judiciais. Isso destaca a natureza sistêmica e institucionalizada desses abusos e a vitimização secundária causada pelos sistemas judiciais.
Esses conceitos cientificamente não validados frequentemente desviam a atenção da violência sofrida por crianças e pais protetores, focando em vez disso em alegações de alienação ou manipulação parental. Como resultado, eles justificam decisões judiciais restringindo os direitos das mães e, em alguns casos, mantendo contato com pais abusivos. O uso indevido de tais noções leva à dupla vitimização: as crianças são forçadas a relacionamentos perigosos, e as mães são privadas de seu papel protetor devido a julgamentos tendenciosos.
Violência institucional: um eco da violência doméstica
Violência institucional se refere à dinâmica de poder e controle exercida por instituições por meio de práticas ou políticas que, intencionalmente ou não, invalidam as narrativas das vítimas e perpetuam seu trauma. Gaslighting institucional, por exemplo, descreve um processo em que as experiências das vítimas são sistematicamente questionadas ou minimizadas, criando um ambiente opressivo que exacerba o sofrimento inicial. Esses mecanismos institucionais, muitas vezes invisíveis, reforçam os padrões de abuso já presentes em contextos familiares.
Teorias controversas, muitas vezes visando mulheres no contexto de proteção infantil, regularmente ganham força sob o disfarce de psicologia pseudo-legal. Esses conceitos, carentes de validação empírica rigorosa, às vezes alcançam legitimidade institucional por meio de processos de reconhecimento arbitrários. No entanto, é responsabilidade legal do Estado garantir que apenas teorias cientificamente validadas sejam empregadas em decisões que afetem direitos fundamentais. As vítimas dessas práticas são encorajadas a buscar recursos legais contra o Estado se tais teorias não validadas causarem danos.
Uma forma de tortura psicológica
As Nações Unidas, dentro da estrutura da Convenção Contra a Tortura, definem tortura como “qualquer ato pelo qual dor ou sofrimento severo, seja físico ou mental, é intencionalmente infligido a uma pessoa para propósitos como obter uma confissão, punição ou intimidação”. Por esta definição, a violência institucional infligida a mães protetoras se alinha com esta estrutura. A exposição prolongada a procedimentos judiciais complexos, onde suas vozes são desacreditadas e seus esforços de proteção criminalizados, constitui uma forma de tortura psicológica.
Estatísticas assustadoras e impunidade generalizada
Apesar do aumento constante de relatos de violência sexual contra menores — dobrando entre 2011 e 2021 — as taxas de condenação permanecem assustadoramente baixas: 3% para casos de abuso sexual e apenas 1% para casos de incesto. Enquanto isso, acusações de manipulação parental, muitas vezes baseadas em conceitos pseudocientíficos como a “Síndrome de Alienação Parental” ou diagnósticos excessivos de Síndrome de Munchausen por Procuração, continuam a desacreditar as mães e a favorecer os abusadores. No entanto, de acordo com um estudo do Ministério da Justiça de 2001, falsas acusações constituem apenas 0.8% dos casos.
Na Espanha, essas dinâmicas são exacerbadas por atrasos estruturais na implementação de leis que protegem vítimas de violência intrafamiliar. Decisões contraditórias e treinamento inadequado para juízes contribuem para um clima crescente de impunidade.
Falhas no bem-estar infantil: relatórios fabricados e intimidação
O sistema francês de bem-estar infantil (ASE, Aide Sociale à l'Enfance), projetado para proteger menores em risco, tem sido frequentemente acusado de práticas abusivas que exacerbam o sofrimento de mães e crianças. Relatórios fabricados ou não verificados são frequentemente usados para justificar a colocação de crianças em lares adotivos sem evidências de abuso, conforme destacado em uma declaração profissional publicada em lenfanceaucoeur.org. Esses relatórios frequentemente levam a decisões injustificadas de separar crianças de suas famílias, fomentando um ambiente de medo que impede as mães de denunciar abusos por medo de retaliação institucional.
Estas falhas graves foram assinaladas pelo Tribunal Europeu de Justiça Direitos humanos, que condenou a França por não proteger crianças confiadas aos cuidados da ASE, incluindo casos em que crianças sofreram violência sexual. Essas falhas institucionais, agravadas pela falta de supervisão e responsabilização, deixam as famílias vulneráveis a um sistema destinado a protegê-las.
A Urgência da Reforma Sistémica
Dadas essas descobertas alarmantes, repensar as operações das instituições judiciais e sociais é imperativo. Várias propostas de reforma surgem:
Treinamento obrigatório: Todos os profissionais envolvidos nesses casos, de juízes a assistentes sociais, devem passar por treinamento abrangente sobre a dinâmica da violência intrafamiliar, o impacto do trauma e seus vieses cognitivos.
Proibição da Síndrome de Alienação Parental: O uso desse conceito controverso deve ser proibido nos tribunais de família, de acordo com as recomendações das Nações Unidas.
Mecanismos de supervisão independentes: Estabelecer comitês de supervisão independentes para revisar decisões judiciais em casos envolvendo violência sexual contra menores. Além disso, para evitar abusos institucionais relacionados à ASE e testemunhas especialistas, criar um serviço de encaminhamento independente é essencial. Este serviço, acessível em emergências, seria encarregado de revisar relatórios imparcialmente e intervir prontamente para suspender ou retificar decisões que perpetuam a violência institucional. Tal estrutura restauraria a confiança nos sistemas de proteção à criança, ao mesmo tempo em que salvaguardaria os direitos fundamentais das crianças e dos pais protetores.
Aplicação de práticas baseadas em evidências: o arcabouço legal, destinado a proteger contra práticas nocivas, paradoxalmente permite sua proliferação por meio de sua frouxidão. Apesar de evidências substanciais demonstrando riscos aumentados de erros e danos associados ao uso de teorias não validadas, não existe nenhuma obrigação explícita de garantir a aplicação exclusiva de métodos baseados em evidências. Legislar o uso obrigatório de abordagens cientificamente validadas em todas as decisões relativas à proteção da criança é essencial para coibir abusos e garantir a segurança das famílias.
Uma responsabilidade coletiva
A mídia, as instituições e a sociedade desempenham um papel crucial no fim dessa forma moderna de tortura institucional. Ao quebrar o silêncio e amplificar as vozes das vítimas, podemos pressionar os formuladores de políticas e exigir mudanças profundas.
Cada voz importa nessa luta por justiça. Proteger crianças e apoiar as mães que as defendem deve se tornar uma prioridade absoluta. Juntos, podemos transformar instituições opressivas em salvaguardas firmes contra todas as formas de violência.
Fontes:
Comissão independente sobre o inceste e as violências sexuais faites aux enfants (CIIVISE). (nd). Rapport sur lesviolences sexuelles faites aux enfants en França. Recuperado de https://www.ciivise.fr
Conselho de Europa. (nd). Protegendo os direitos das crianças nas decisões do tribunal de família. Recuperado de https://www.coe.int
Women's Aid. (2021). O Impacto do Abuso Doméstico em Casos de Contato com Crianças na Inglaterra. Recuperado de https://www.womensaid.org.uk
Liga das Famílias. (2023). A utilização da síndrome de alienação parental nos tribunaux da Bélgica: uma crítica científica. Recuperado de https://liguedesfamilles.be
Parlamento Europeu. (2021). Resolução sobre o impacto da violência doméstica nos direitos de custódia das crianças (2021/2026(INI)). Recuperado de https://www.europarl.europa.eu
Gardner, RA (1985). Síndrome de Alienação Parental e a Diferenciação entre Abuso Sexual Infantil Fabricado e Genuíno. Cresskill, NJ: Terapêutica Criativa. (Nota: Mencionado comme référence historique mais critiquée scientifiquement).
lenfanceaucoeur.org. (nd). Tribune contre les colocações abusivas na ASE. Recuperado de https://lenfanceaucoeur.org
Tribunal Europeu de Direitos humanos. (2022). Jurisprudência sobre falhas na proteção da criança na França. Recuperado de https://hudoc.echr.coe.int
Comitê das Nações Unidas Contra a Tortura. (1984). Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes. Recuperado de https://www.ohchr.org
Haute Autorité de Santé (HAS). (nd). Referência nacional sobre a proteção da infância. Recuperado de https://www.has-sante.fr
Ministère de la Justice (França). (2001). Estudo sobre as acusações falsas em matéria de violências sexuais intrafamiliares. Recuperado de https://justice.gouv.fr
Meehl, PE (1954). Predição clínica vs. estatística: uma análise teórica e uma revisão da evidência. Minneapolis: University of Minnesota Press.