Por Sarah Thierrée,
O tratamento sócio-judicial da violência doméstica na França é motivo de preocupação. Numa época em que nosso país, o autoproclamado defensor da direitos humanos, está lutando para proteger as crianças e seus pais protetores da violência doméstica, é crucial destacar o sério mau funcionamento de nossas instituições. Essas práticas, que Eu descrevo em um arquivo submetido ao Comitê das Nações Unidas contra a Tortura como forma de tortura institucionalizada, expõe as vítimas a uma dupla pena: a da violência sofrida e a dos procedimentos que as condenam à injustiça e criam novos traumas.
Números alarmantes, uma realidade oculta
Em 2023, os serviços de segurança interna registraram 271,000 vítimas de violência doméstica, 85% das quais eram mulheres. Muitas dessas vítimas são mães protetoras cujas vozes e as de seus filhos são sistematicamente desacreditadas. Conceitos pseudocientíficos como “síndrome de alienação parental” e outros, ainda ensinados recentemente nas escolas de magistrados, continuam a enviesar decisões judiciais. Esses preconceitos institucionalizados expõem as crianças aos seus agressores sob o pretexto de preservar um chamado “vínculo familiar”.
Quando o sistema se torna o carrasco
O sistema judicial francês é marcado por um nível alarmante de inércia institucional quando se trata de violência doméstica. Por exemplo, quase 76% das queixas de violência sexual contra menores são rejeitadas, muitas vezes sem uma investigação completa. Mães protetoras que buscam denunciar abuso (sexual, físico, psicológico) são submetidas a reversões de acusações, colocações arbitrárias de seus filhos e, regularmente, até mesmo acusações de manipulação ou instabilidade mental.
Essas práticas, embora insidiosas, atendem a vários critérios definidos pela Convenção das Nações Unidas contra a Tortura: sofrimento severo, perpetrado ou tolerado por uma autoridade pública e infligido intencionalmente ou por negligência sistêmica. Por mais de 30 anos, a ONU tem chamado a França para prestar contas dessas deficiências graves. No entanto, nosso país continua surdo às críticas repetidas, recusando-se a introduzir as reformas necessárias para pôr fim a esses abusos institucionais.
Reformas urgentes necessárias
No dossiê submetido ao Comitê Contra a Tortura, enfatizo a necessidade de uma revisão completa das práticas sócio-judiciais na França para proteger as vítimas de violência doméstica. Por exemplo, é imperativo pôr fim ao uso de conceitos pseudocientíficos, como alienação parental, que continuam a ter influência no tratamento das vítimas de violência doméstica.
decisões judiciais, apesar de sua falta de base científica. Juízes e profissionais de bem-estar infantil precisam ser investigados e receber um diagnóstico institucional, e é isso que estamos pedindo ao Comitê da ONU contra a Tortura para fazer.
Além disso, protocolos de avaliação padronizados devem ser colocados em prática para garantir uma distinção clara entre conflitos parentais e atos de violência, evitando assim decisões inapropriadas que exponham as vítimas a mais traumas. A transparência institucional deve se tornar uma prioridade, particularmente no que diz respeito à rejeição de queixas, para que as vítimas possam entender e contestar decisões que as afetam. Essas reformas visam restaurar o equilíbrio entre a proteção dos direitos do acusado e os das vítimas, colocando a segurança e a dignidade das crianças e de seus pais protetores no centro das prioridades judiciais.
Outra medida crucial é a judicialização dos próprios atores sociojudiciais. Práticas abusivas, relatórios tendenciosos e decisões que contribuem ativamente para a revitimização de mães e crianças devem ser examinados do ponto de vista da responsabilidade criminal. Esses atores, que por suas escolhas toleram ou perpetuam atos que podem ser descritos como tortura institucional, devem ser responsabilizados perante a lei. Essa abordagem não é apenas uma questão de justiça para as vítimas, mas também uma condição necessária para restaurar a confiança em um sistema profundamente disfuncional.
Um apelo à comunidade internacional
O Comité contra a Tortura tem a oportunidade de investigar estas questões durante a 82ª sessão do Comitê na França revisão dessas práticas em , e reiterar seu compromisso com o respeito aos direitos fundamentais. É somente encarando essa realidade e reformando nossas instituições que seremos capazes de proteger as crianças, apoiar as mães protetoras e restaurar a confiança em nosso sistema sócio-judicial. Em apenas alguns dias, mais de uma centena de profissionais diretamente envolvidos nessa questão deram seu apoio ao caso.